Por que a cada transgressão existencial nos sentimos perdidos e em
conflito conosco? É nessa escolha de vida a causa dos nossos
sofrimentos. Submissos como somos dos padrões e das normas que regulam a
nossa sociedade, somos expostos as suas chantagens. Continuando a nos
questionar sobre o que é bom ou ruim, arriscamos de viver sempre com o
“Livro das regras“ nas mãos.
Ao lado do senso de culpa convivem outros sentimentos que o definem e
o completam. São emoções que tendem a bloquear qualquer fantasia que
nos estimule a “soltar as amarras” e a viver plenamente.
Os códigos da sociedade regulamentam a nossa vida: fazemos de tudo
para que os outros nos aprovem, precisamos nos espelhar sempre em algum
modelo de referência e temos sempre a idéia fixa de ficar melhor. Se a
nossa vida é assim, temos os sensos de culpa sempre ativados e não temos
alternativa.
Nietzsche mostra como isso tudo atinge o homem que busca a vida
perfeita e sempre de acordo com todos, que ele define como “o
encantamento da sociedade e da paz”.
O encantamento social que nos prende é um emaranhado de códigos,
regras, proibições explicitas e não, chantagens emocionais...um mundo
onde fazemos distinção entre o Certo e o Errado, onde buscamos os erros
cometidos para depois nos culpar deles. Este é o resultado dos muitos
modelos familiares, religiosos, culturais, que nos condicionam e que
agem na nossa mente continuando nos dizendo o que é o Bem e o que é o
Mal, se o nosso comportamento é aceitável ou não, se quem fica por perto
aprovaria a nossa atitude ou não, dificultando ao nosso instinto
sugerir como viver e ao nosso intuito de nos guiar como uma bússola
entre os imprevistos da existência.
O senso de culpa do ser humano é uma consequência da separação do
nosso passado, da dificuldade em conviver com ele e de novas situações
conflitantes que temos dificuldade em absorver.
Na realidade o nosso cérebro é curioso, criativo e faria um continuo
“zapping”, assim como na TV, entre os diversos canais da vida: quando
não gosta de algo, quando é repetido, mudaria para algo novo. Nós não,
não nos sentimos preparados para pular existencialmente de um canal para
o outro, acreditamos de ter que respeitar sempre a imagem que demos,
sem nos distanciar desta idéia. Talvez tenhamos construído com esforço e
desgaste, suamos para fazer com que os outros nos aceitem e nos
aprovem. É nesse momento que entra em jogo o senso de culpa para agir
como um freio de mão: inibir qualquer iniciativa um pouco fora das
regras, nos mantendo dentro das fileiras, fazendo com que as nossas
ações sejam sempre dentro um nível conhecido, aceito e controlável.
Existe uma grande diferença entre uma poça e o mar aberto. A primeira
é feita de água “morta”, sem surpresas. O segundo é um mundo em
movimento, onde as ondas, o vento e as correntezas tornam muito vivo e
imprevisível o fluxo da água.
O senso de culpa tem a função de nos deixar longe do mar aberto, de não nos deixar nem conhecê-lo, de estacionar em um espaço tranquilo, onde não se machuca ninguém e se fica ali, junto com os outros. Mas é uma situação que mata a alma e a sua criatividade, que impede de amadurecer e descobrir as próprias potencialidades e autonomias para poder se separar do cardume.
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