sexta-feira, 15 de maio de 2015

Sensação de desamparo




Muitos adultos sofrem com o medo do desamparo de forma tão forte que isso faz com que se manifestem como crianças amedrontadas, fagocitando as relações que criam, até que, inconscientemente, obrigam seus parceiros a se comportarem da única forma que realmente querem evitar: abandonando-os.

Trata-se de uma verdadeira síndrome que, quando presente, tem uma dinâmica compulsiva que não deixa espaço: a pessoa racionalmente sabe que esse sentimento é destrutivo e sem sentido, mas, do ponto de vista emocional, não identifica opções para se comportar de modo diferente.

O que pode destruir indivíduos adultos de forma tão intensa e radical, ao ponto de não deixar com que eles vivam uma vida racional e tranquila? Em geral, pessoas que sofrem com esse tipo de comportamento são habilidosas e confiáveis, mas que, quando se apaixonam, tornam-se vítimas de medos, dúvidas e inseguranças.

Quem vive essa sensação mostra que tem carências em sua estrutura interna, que deixaram uma sensação de incerteza na capacidade de se aguentar e de se alimentar emocionalmente, sem delegar a outros essa tarefa.
Normalmente, quem sofre com esse sentimento de desamparo vive uma situação de verdadeira fome, produzida pela sensação de não ter sido suficientemente alimentado do ponto de vista afetivo e emocional.
 
O medo de ficar sozinha

Estamos falando de uma patologia que diz respeito à capacidade de se cuidar e de se sentir suficientemente alimentado – mesmo quando o outro não está presente fisicamente –, a capacidade/dificuldade de perceber os próprios recursos, o próprio potencial, a própria capacidade, ainda mais quando sozinho.

Essas pessoas são sobreviventes de grandes problemas originados na fase infantil, quando não se sentiam suficientemente protegidas e contidas, não desenvolvendo, assim, aqueles alicerces de segurança e confiabilidade que lhes permitiria sentirem-se estáveis e seguras por dentro, donas dos recursos necessários para poder enfrentar perdas, sentir-se em condições de poder encarar com as próprias forças ansiedades e dramas emocionais.

A sensação de continuidade e a percepção de poder confiar, contando com uma solidez emocional e uma boa autoestima, são fundamentais para que se possa estruturar um mundo interior estável, que supere o medo do desamparo. A pessoa que sofre dessa sensação tem um grande pavor de ficar sozinha, e vive essa eventualidade como uma real e verdadeira morte.

Dessa percepção de vazio e de fragilidade interior nascem todas as dinâmicas de defesa que se concretizam com o intuito de evitar que o parceiro possa ir embora. As estratégias utilizadas são o grude, a manipulação e o excessivo senso de fragilidade. Essas atitudes dão vida ao hipercontrole e à chantagem emocional e, tudo isso, para evitar o que mais assusta: a perda. Em outras palavras, essas pessoas desenvolvem uma grande dependência afetiva que as coloca também no papel de vítimas, mesmo de forma inconsciente, que serve para chamar a atenção dos outros.

A dependência é difícil de ser encarada 

E em qualquer nível que se manifeste, e aquela afetiva ainda mais. Tais pessoas sofrem de desvalorização e de carência de estrutura, comportando-se de forma egocêntrica, acreditando nunca terem suficiente atenção do outro e do mundo.

 
São pessoas que tendem constantemente a dramatizar, e qualquer pretexto desencadeia a vítima interior que ativa o desejo de atenção. Podem se apresentar num duplo papel, de vítima e de salvadora: os dois extremos possuem a mesma problemática de base e, quando se encontram, podem dar vida a uma relação complexa e grudenta, em que não existe liberdade para nenhuma das duas partes envolvidas. 

Como ambos os indivíduos são dependentes, viverão um círculo vicioso, no qual um será a criança necessitada e o outro será o pai cuidador: um fará mais pelo outro, se sentirá forte e importante, enquanto o outro perceberá todos os holofotes em cima de si. 

Expectativas e frustrações

Esse modelo de relação é fadado a entrar em crise a partir do momento em que a mente de ambos os parceiros não se satisfizer com essa solução e quiser resolver essa dependência, deixando aflorar sinais de insatisfação e de infelicidade que produzirão uma crise.

Existem algumas características interessantes e muito evidentes nessa tipologia de pessoas – algumas visíveis também na própria postura –, que muitas vezes têm as costas meio corcundas, um corpo hipotônico, com as costas mais caídas do que o normal. Existe o medo de tomar atitudes, de tomar decisões, originário da preocupação em prejudicar a atenção do outro. Existe a contínua necessidade de pedir opiniões e sugestões que depois nunca vão ser seguidas, porque para elas não interessa o conselho, mas sim o suporte que obtém dessa forma indireta. Existe também o medo de largar as coisas, e o dependente usa muito frases como “preciso mesmo ir”, “preciso te deixar”, que demonstram sua real dificuldade em se desligar de qualquer coisa, pessoa ou situação.

No fundo, o que mais os assusta é a solidão e, para evitá-la, acabam se envolvendo em situações e relacionamentos trágicos, vivendo muito sofrimento que, para si, parece ser sempre menos dramático do que aquele consequente ao desamparo e à solidão que acreditam não conseguir gerir.

A solução dessa sensação de desamparo ocorre por meio de um processo terapêutico que dê sustentação e suporte até que a pessoa encontre dentro de si os recursos necessários para enfrentar as dinâmicas emotivas das quais tem tanto medo, e que acredita não conseguir suportar. Terapia como um momento, um espaço em que o paciente pode se defrontar livremente com a sua realidade, sem medo de censuras, julgamentos, cobranças e críticas. Desse debate interior, aflorará uma estratégia de vida que deve ser seguida, aproveitando a supervisão e a orientação do terapeuta, que ajudará a manter o caminho certo, sem se desviar dele.

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